Um caminho diferente

O Brasil é um país de grandes extensões territoriais, diversidade étnica, pluralidade religiosa, riqueza ambiental e cultural. De um povo marcado pela alegria, ancestralidade e hospitalidade. Contudo, enfrenta desde sua fundanção problemas graves como analfabetismo, trabalho infantil, tráfico de drogas, criminalidade, violência contra a mulher, racismo, desigualdade e exclusão social, crise migratória, intolerância religiosa, conflitos por terra, pedofilia, tráfico de pessoas, desemprego, precariedade na saúde e na educação, falta de saneamento básico em todas as camadas da população, pessoas em situação de rua, segurança pública debilitada, exploração sexual de menores, crimes ambientais e, para complicar um pouco mais, está enfrentando uma séria crise política.

Em meio a todas essas dificuldades históricas a publicidade brasileira sempre se destacou por sua criatividade, inovação e bom humor. É inegável o poder que os comunicadores possuem de chegar as massas e atingir diferentes camadas sociais. A publicidade, em especial, consegue atrair de forma prática, sucinta e envolvente o espectador, podendo criar empatia e emoção com o objeto anunciado. Esse ano, como de costume, o Brasil ficou entre os cinco países mais premiados no Festival de Cannes, perdendo apenas para os Estados Unidos e para o Reino Unido. Foram 108 leões conquistados, sendo um deles o prêmio de maior relevância no festival: o Grand Prix. Tudo isso demonstra o potencial da publicidade brasileira, mesmo em um momento desfavorável ao mercado.

Ainda assim, a publicidade brasileira tem caído em descrédito. A cada dia mais, o consumidor final a vê como enganosa e acredita que o seu único objetivo seja conceder lucro às grandes corporações, mesmo que utilizando de estratégias irresponsáveis para fazê-lo. O público-alvo deveria ser o elemento mais importante de qualquer campanha publicitária, por isso não é interessante para publicitários e nem anunciantes que essa imagem desfavorável se perpetue diante do consumidor.

Segundo uma pesquisa feita pela agência de propaganda Heads, em julho desse ano, 28% dos comerciais veiculados na TV aberta apresentam personagens estereotipados. Em 14,91%, o estereótipo envolve mulheres; em 7,55%, homens; em 5,02%, ambos; e em 0,52%, a sociedade brasileira de forma geral. Os estereótipos são de teor machista e trazem uma visão equivocada da mulher, do homem e da família. Além da questão de gênero, existem também os estereótipos raciais e étnicos onde 99% dos homens que protagonizam comerciais são brancos e 1% são negros ou pardos. No caso das mulheres, 93% são brancas e 7%, negras ou pardas. As crianças que protagonizam os comerciais são brancas em 100% dos casos. Esses dados revelam que a publicidade brasileira ainda tem muito o que amadurecer. Não apenas para romper pré-conceitos, mas para chamar a atenção da população para causas, movimentos e iniciativas sociais.

Surge então, o desafio de escolher um caminho diferente para a criação de peças e anúncios. Além de divulgação a publicidade pode ser um instrumento de conscientização e mobilização social, demonstrando responsabilidade e respeito para com o seu público. Ao invés, de corroborar estereótipos que subjugam as “minorias” ela pode alertar a sociedade para problemas sociais que podem ser solucionados com o apoio dos cidadãos, gerando além de empatia um envolvimento real entre marca, sociedade e indivíduo. Estratégias inteligentes de comunicação e soluções criativas se fazem necessárias para utilização da tecnologia e da publicidade em prol do bem social. Algumas marcas se destacaram, esse ano, por atuarem dessa maneira. Veja, a seguir, alguns exemplos:

Campanha “Racismo Virtual Consequências Reais”, da W3haus

Nos últimos meses temos visto na internet uma série ataques covardes e racistas, alguns deles ganharam maior visibilidade por atingirem celebridades negras como as atrizes Taís Araújo e Cris Vianna. Essa campanha teve como base os ataques ocorridos contra a jornalista Maria Julia Coutinho, em julho desse ano. Os outdoors foram assinados pela ONG criola, que atua em defesa dos direitos das mulheres negras há 23 anos, e colocados próximo as localidades de onde partiram os comentários racistas. Clique aqui para assistir ao vídeo de divulgação.

Campanha “imprima para ajudar”, da FCB

No Brasil, quase 200 mil pessoas desaparecem por ano. Esse é um dado preocupante diante de problemas sociais do nosso país como o tráfico de pessoas, sequestros, turismo sexual e exploração infantil, entre outros. A ONG mães da Sé atua como militante na causa, ajudando a reencontrar essas pessoas. Um dos principais instrumentos pela busca são os Cartazes. A marca HP, com o propósito de divulgar a tecnologia ePRINT de suas impressoras, lançou essa campanha incentivando os quase 1 milhão de usuários a ajudarem na impressão de cartazes em apoio ao trabalho da ONG. Os cartazes são enviados para impressoras próximas a localidade onde a pessoa desapareceu. Clique aqui para conhecer o site da campanha.

Campanha “Crianças aprisionadas”, da Lew’LaraTBWA

A exploração do trabalho infantil na indústria têxtil e confeccionista ocorre desde o inicio de sua história, na Europa. No Brasil, a abolição da escravatura em 1888, não acabou com o trabalho escravo e intensificou a demanda por mão de obra infantil que é vista como uma opção de baixo custo para as empresas. A falta de fiscalização e a miséria fazem com que famílias inteiras sejam exploradas em regime de semi-escravidão sob condições degradantes e jornadas exaustivas. A Lew’LaraTBWA criou para a ONG Save The Children essa campanha que tem por intuito chamar a atenção das pessoas para o trabalho infantil que pode está bem próximo e inserido em nossa sociedade. Clique aqui para saber mais.

Campanha “O cartaz HIV positivo”, da Ogilvy Brasil

Essa campanha espalhou cartazes com sangue de soropositivos pelas ruas de São Paulo. Criado para a ONG Grupo de Incentivo à Vida (GIV), o cartaz dizia que o vírus não sobrevive mais de uma hora fora do corpo humano e por isso, nem ele e nem a convivência com pessoas com HIV trazem perigo. E afirma ainda: “Se o preconceito é uma doença, a informação é uma cura”.

Algumas dessas campanhas foram responsáveis pelos leões conquistados em Cannes esse ano, porém mais que prêmios elas trazem consigo uma importância de cunho social, um exemplo de caminho diferente para a publicidade. Certamente, tinham por objetivo lucros e prêmios, mas ainda assim quando bem aplicadas conseguem cumprir o papel defendido aqui de uma publicidade capaz de conscientizar e mobilizar. Conseguem reforçar e solidificar as relações “publicitário-anunciante” (com visibilidade para a marca, podendo até gerar mídia voluntária, buzz e engajamento do consumidor), “publicitário-consumidor” (com honestidade e inteligência), “anunciante-consumidor” (com respeito e responsabilidade social).

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